Sim, era quase como que ele representasse Deus! Um Deus propositadamente fraco, na pele de um pobre miserável desfigurado, sem qualquer presença, expressividade ou beleza, que se passaria facilmente como apenas mais um dos excluídos do mundo, com toda a sua grandiosidade oculta num corpo disforme, semeando sutilmente a bondade através de pequenas palavras e ações, encarnando a esperança onde o telespectador não conseguia enxergar nenhuma, e amando aqueles que não conseguimos enxergar qualquer razão para amar. Era como que representasse Deus, “entrando silenciosamente no mundo” – como disse Helmut Thielicke – sem que ninguém perceba, plantando pequeníssimas sementes, “grãos de mostarda”(!), como diria Jesus, que lentamente cresceriam, primeiro no coração das pessoas, depois, extravasando para o exterior e conquistando o mundo através do seu suave e sutil poder, que se infiltra como que uma gota de orvalho por entre as ranhuras dos troncos das árvores apodrecidas. Como disse o próprio anão numa daquelas frases casuais – casuais para o telespectador e leitor, porque para o autor não tem nada de casuais – “adicione o seu pequeno brilho à soma do brilho total”.
Era assim que ele parecia enxergar o propósito da vida, a forma mais coerente de se encarar os problemas atrozes do mundo, a despeito da indiferença profissional dos jornalistas, a despeito da insensibilidade do próprio Hamilton, a despeito de quão irrisório e insignificante um simples gesto poderia parecer para uma mente pragmática e realista como a do seu colega. “Não se trata de buscar as chamadas ‘grandes soluções’, ou mudar o sistema” – disse a criatura diminuta, concluindo – “mas de lidar com qualquer que seja a desgraça que se encontra diante de nós”. “Some ao bem supremo, a sua pequena parcela de bondade”. E disse isso tão naturalmente e casualmente que não se pareceu nem um julgamento e nem uma cobrança.
“O que, então, devemos fazer?”, declarou, por fim, o anão como se estivesse recitando uma frase decorada.
Esta é a pergunta núcleo da história do filme, em minha opinião, que sintetiza o propósito da trama, ou talvez a própria essência do drama. Uma frase extraída do título de um dos livros de Liev Tolstoi, que por sua vez a extraiu de um texto bíblico, em Lucas capítulo 3, versículo 10.
Esta foi a pergunta feita três vezes pelos interlocutores do profeta João Batista enquanto pregava para que o seu povo se arrependesse e voltasse seu coração para Deus no deserto. Tocados pela mensagem de João, primeiro a multidão lhe pergunta: “O que, então, devemos fazer?”. Em seguida, também os publicanos se juntam à multidão e lhe fazem a mesma pergunta: “E nós, o que, pois, devemos fazer?”. E, por fim, os soldados romanos, atingidos pela mesma contrição, se aproximam profeta em coro: “E nós? O que, pois, devemos fazer?”.
Esta foi a mesma pergunta que atormentou a vida Tolstoi e a do próprio cinegrafista no filme.
Aos três grupos, a resposta do profeta foi praticamente a mesma: “Quem tiver duas túnicas, reparta com aquele que não tem; quem tiver alimentos, faça a mesma coisa...”.
Converter seu coração a Deus é ser capaz de fazer-lhe esta pergunta: “What, then, must we do?” (“O que devemos fazer?”), e atender a resposta que Ele nos der. Foi isso que o próprio Tolstoi um dia fez, quando andou até a praça principal de Moscow, onde haviam muitos pobres e miseráveis, e foi dando tudo o que tinha a eles, até não lhe restar mais nada nos bolsos.
Foi esta a luz que Billy Kwan, o cinegrafista anão, aparentemente tentou extrair do seu colega jornalista. Uma luz que ele parecia ter enxergado bem no fundo da alma do indiferente corresponde internacional. Talvez seja esta a luz que Deus procure extrair de todos nós. Mas ele nunca se manifesta a nós com poder, com grandeza. Ele apenas nos sugere sutilmente, graciosamente, através de pessoas comuns, pessoas que muitas vezes, pela sua aparência somos tentados a não dar atenção. Mas que lembremos sempre disso depois desse filme: as vezes, sem saber, estamos falando com Deus – e não sabemos.
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